“Quem me conhece sabe que um dos momentos mais chocantes da minha vida enquanto telespectador de teleséries foi o último capítulo da terceira temporada, em que todos assistimos por mais de uma hora a cenas do futuro sem saber do que se tratavam, e tomamos na cara aquela aparição de Kate e aquele "We have to go back!" Nenhum outro momento de "te peguei" na série desde então teve um impacto tão forte quanto aquele. Nem mesmo a última reviravolta de "The End," aquela que explica finalmente a "realidade paralela" que vínhamos acompanhando desde o início dessa temporada, mas rapaz - chegou bem perto. Ao ponto de eu por um momento não entender o que estava vendo, e subitamente, como um raio, tudo ficar claro, e meus olhos se encherem de lágrimas. Não me importo que tenha sido a reviravolta mais descaradamente espiritual da série até a data - nunca me incomodei com espiritualidade em obras de ficção científica, inclusive porque é um recurso manjadíssimo pra quem não estreou no universo nerd com Lost - aquela cena me deixou moído, com cara de paisagem, me sentindo mais uma vez ludibriado, da forma boa, pelos produtores (eles sempre disseram que *a Ilha* não era o purgatório... boa, Darlton, muito boa). Injetou significado retroativamente em todos os episódios da temporada, e todas as estranhezas e as coincidências das vidas que os Losties levavam nela se encaixaram de forma cristalina. Eles precisavam uns dos outros. Precisavam se reencontrar, mesmo que além do plano mortal, para seguir em frente. E que metáfora filha da puta para nós, espectadores-protagonistas, que também tivemos que deixar a Ilha, e que também precisamos seguir em frente depois de termos sido parte de Lost por seis anos. A sexta e última temporada de Lost tem na resolução de seu enredo um motivo apenas secundário. O principal, o essencial, era a despedida. O fim da jornada que foi assistir - e produzir - Lost. Um tema que fala forte àqueles que realmente se envolveram com a série, não aos que assistiam aos pedaços, sem atenção, procurando cenas ou diálogos patronizadores que preenchessem listinhas frias de "perguntas sem respostas." E por se envolver, quero dizer se envolver com a história, não necessariamente ficar obcecado por cada minúcia, por cada campanha de marketing, por cada spoiler vazado, etc. Quero dizer se importar mais com o bem estar de Jack, Kate, Sawyer, Hurley e tantos outros, do que com a ilha que uniu nossas vidas às deles.”
Esse trecho não foi escrito por mim, mas quem me dera que fosse, pois reproduz com assombrosa precisão todos os meus sentimentos por volta da uma e meia da manhã, quando meus amigos saíram de casa após assistirmos ao final de Lost. O trecho faz parte de um texto brilhante de Rafael Savastano, do blog “Análise de Lost” (recomendo a leitura, mesmo sabendo que alguns acham que já “perderam tempo suficiente com a série”).
Demorei pra dormir, tentando assimilar todas aquelas informações. Minha série de TV favorita havia chegado ao fim (minhas desculpas à brilhante “The Wire”, que vai ficar mesmo com o segundo lugar) e, nas palavras de minha amiga Taís, uma das que estavam em casa, o desfecho me deixou abalado e sem palavras. Assim como Rafael Savastano, não tão embasbacado quanto o final de “Through the looking glass” (o final da terceira temporada), mas foi um golpe muito forte. Estou escrevendo agora para mim, numa tentativa de registrar e organizar minha percepção e para colocar alguns pontos que ainda não vi escrito em lugar nenhum.
A primeira coisa que me veio na cabeça foram as entrevistas dos produtores Carlton Cuse e Damon Lindelof que estão nos extras do box da primeira temporada. Eles disseram naquela época que série era sobre as pessoas, sobre os personagens, que tinham problemas muito sérios em suas vidas e que agora compartilhavam a experiência de serem sobreviventes de um acidente aéreo em um lugar misterioso. Mais: que esse lugar os ajudaria a se encontrarem, a se redimirem. “Lost” (“Perdidos”) era o título que remetia a um sentido físico (afinal, estavam numa ilha sabe-se lá onde), mas que poderia ter um sentido que vai além do físico. “The End”, o series finale, teve como principal desfecho o encontro e a redenção dos personagens, fechando esse raciocínio.
É verdade que a série foi muito marcada, ao longo de todas as temporadas, pelos mistérios. Foram os mistérios que transformaram a série em um fenômeno de popularidade, levando todos os fãs a criarem um número imenso de teorias e especulações sobre os significados dos números (4, 8, 15, 16, 23, 42), da Iniciativa Dharma, do Monstro de Fumaça, os ursos polares, o enigmático Richard, as visões dos mortos, os sussurros, etc, etc, etc. Acho que se for feita uma lista, é possível que a maioria dos mistérios não tenha sido respondida, que boa parte foi respondida de forma a deixar margens para interpretação (como os números e os problemas de fertilidade) e outra parte foi respondida de formas muito simples, como o que eram os sussurros e o porquê do não envelhecimento de Richard. E vejo essa forma de explicações simples como um recurso extremamente válido, pois muitas vezes eu me vi com o mesmo nível de informação que os próprios personagens, sem saber se as decisões que eles tomavam eram certas ou erradas. Essas decisões algumas vezes levavam a descobertas e outras vezes levavam a mais perguntas e as informações (respostas) disponibilizadas foram aquelas que levaram ao desfecho da história na ilha (a realidade propriamente dita). Como escreveu Rafael Savastano, “a mitologia era um veículo, não um destino”. Antes que alguém diga que então seria muito fácil para os criadores limitar tanto as respostas quanto o desfecho para deixar tudo alinhado, basta lembrar quais eram as duas coisas que precisavam ser resolvidas na ilha: 1) resgate dos sobreviventes (volto a isso daqui a pouco) e 2) derrotar o monstro de fumaça e, consequentemente, salvar a própria ilha. E as duas coisas foram alcançadas no finale, infelizmente, ao custo de muitas vidas (a morte dos coreanos foi especialmente triste, considerando que ambos deixaram uma filha pequena).
Sobre a realidade paralela, agora sabemos que se tratava de um mega-flashforward, já no pós-vida dos personagens, uma espécie de purgatório, onde os personagens realmente se reencontraram e se redimiram, “deixando pra lá” os dilemas da vida e achando a redenção (se reencontrando) no amor daquelas pessoas que realmente tiveram o maior significado em suas vidas. Por isso Ben Linus ainda tinha coisas para resolver e Ana Lucia ainda não estava preparada. Os mini-flashbacks foram muito felizes ao trazer momentos relevantes de cada um e ajudando todos a “deixar pra lá” e seguir em frente, agora espiritualmente. E foi muito importante a conversa que Jack teve com seu pai, quando este afirmou que tudo que havia acontecido era REAL e que tudo tinha importância. Foi didática demais para o perfil da série, mas era necessário que fosse assim, para deixar claro que os personagens não morreram no acidente. “Whatever happened, happened”.
Voltando ao resgate: esse era o objetivo inicial dos sobreviventes, afinal, haviam saído de um acidente aéreo e tinham uma vida fora da ilha que queriam retomar, apesar de, conforme o tempo foi passando, essas vidas fora da ilha não eram exatamente algo que trazia saudades. Jack Sheppard, durante as 3 primeiras temporadas, como médico e homem da ciência, assumiu o posto de líder e a missão de conseguir o objetivo de salvar o grupo. Como tempo, passou a se transformar de homem de ciência para homem de fé, papel inicialmente ocupado por John Locke, que acabou se sacrificando para convencer Jack de seu destino, e voltou para a ilha para ajudar aqueles que haviam ficado por lá e finalizar a missão que receberia posteriormente de Jacob, como “o” candidato. Mas, após cumprir essa missão, derrotando finalmente o Monstro de Fumaça, numa missão suicida, voltou para onde tudo começou e foi nesse momento que seu ciclo se fechou. A primeira cena do episódio piloto começou com Jack abrindo o olho no meio de uma plantação de bambus. Olhou para cima, viu o céu azul no meio da vegetação e a partir daí os acontecimentos começaram a se desenrolar. Na última cena de Lost (na minha opinião uma obra-prima no simbolismo e na emoção), Jack volta para o mesmo local, deita na mesma posição, olha mais uma vez para o céu, mas dessa vez vê o avião da Ajira levando Kate, Sawyer e Claire de volta para o mundo normal. Eram apenas 3 dos sobreviventes iniciais (mais Hurley, Rose e Bernard que ficaram na ilha), mas ele havia conseguido salvá-los e ajudá-los a serem resgatados. Missão cumprida. Expressão de alívio. Olhos fechados. The End.
Os criadores da série sempre disseram que nem todos os mistérios seriam respondidos e que eles queriam apenas contar e finalizar a história que criaram para aqueles personagens. Após várias temporadas de reviravoltas, eles cumpriram o que disseram. Felizmente para mim, não fiquei preocupado com as soluções de todas perguntas e mistérios. Eu acompanhei a série para assistir a uma história bem contada (afinal, é entretenimento) e que me faz pensar. As questões de fé x ciência, destino x livre arbítrio e a busca pela redenção dos personagens foram mais que suficientes para nos fazer pensar. E quanto à história, obviamente tivemos mudanças de curso, algumas forçadas, como a morte de Mr.Eko, devido à exigência do ator de sair da série, e outras nem tanto, como a não conclusão da história de Walt, talvez pelo fato de o ator ter ficado muito grande para manter a correlação com o personagem original (ambos os casos uma pena), mas não consigo lembrar de nenhuma uma série de TV que tenha me trazido uma história melhor contatada do que Lost. E deixará saudades.
Para finalizar, é impressionante o sentido que a famosa frase de Desmond, meu personagem favorito da série, e que foi usada pela primeira vez no primeiro episódio da segunda temporada, faz sentido agora que sabemos de tudo:
See you in another life, brothá!
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